Teoria Freudiana


Os Sonhos e a Realização de Desejos 


“(...) o sonho é uma realização (disfarçada) de um desejo (suprimido ou recalcado.)”. (FREUD, 1900, Vol. 1 - p. 193)  
 Segundo Freud (1900), em sua obra “A Interpretação dos Sonhos”, a exemplo dos sonhos despertos, os sonhos noturnos também representam desejos(desejos inconscientes); ele defende que o sonho é uma atividade psíquica organizada e que tem suas próprias leis de funcionamento, que ele explica recorrendo a criação de um modelo para o aparelho psíquico (Modelo já explicitado na postagem anterior: Primeira Tópica do Aparelho Psíquico).
“Os sonhos são atos psíquicos tão importantes quanto quaisquer outros; sua força propulsora é, na totalidade dos casos, um desejo que busca realizar-se; o fato de não serem reconhecíveis como desejos, bem como suas múltiplas peculiaridades e absurdos, devem-se à influência da censura psíquica a que foram submetidos durante o processo de sua formação; à parte a necessidade de fugir a essa censura, outros fatores que contribuíram para sua formação foram a exigência de condensação de seu material psíquico, a consideração a sua representabilidade em imagens sensoriais e — embora não invariavelmente — a demanda de que a estrutura do sonho possua uma fachada racional e inteligível.” (FREUD, 1900, Vol. 2 - p. 564)
Freud (1900) diz que os sonhos são a porta para o inconsciente; pois, durante o sono, há um relaxamento da censura e o desejo recalcado tenta se aproveitar desta oportunidade para se manifestar. Entretanto, embora a censura esteja relaxada, o pré-consciente reconhece o desejo e tenta disfarçá-lo, a fim de proteger o descanso do indivíduo que está dormindo; pois sabe que a revelação do desejo sem disfarce causaria uma ansiedade suficiente para acordar esse indivíduo. (Como sabemos, aquilo que pode causar desprazer a consciência, é recalcado pelo pré-consciente; logo, estes desejos recalcados perturbariam bastante o indivíduo durante o sono se não aparecessem de forma disfarçada)

Freud chamou os acontecimentos lembrados do sonho de conteúdo manifesto, e, ao desejo oculto, chamou de conteúdo latente. O conteúdo manifesto seria a transcrição dos desejos inconscientes em outro modo de expressão.

Os sonhos apresentam-se breves, concisos e lacônicos em comparação com os pensamentos oníricos revelados em sua decifração. Pois o desejo passa por duas fazes antes de se manifestar no sonho: a condensação e o deslocamento. A condensação consiste na síntese desse desejo em pouquíssimas imagens, códigos. E o deslocamento consiste no substituição de um representante psíquico por outro, de menor valor decifratório, mas que remete ao primeiro.

Uma forma de descobrir esses desejos inconscientes por trás dos sonhos é encorajar o sonhador a fazer associações livres com os elementos do sonho. A significação dos elementos do sonho deve ser feita pelo próprio sonhador, o analista não deve impor suas idéias ao analisando.

Referências Bibliográficas:

FREUD, Sigmund (1900 – 1901) A interpretação dos Sonhos (I). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996;

FREUD, Sigmund (1900 – 1901) A interpretação dos Sonhos (II) e Sobre os Sonhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996;

KAHN, Michael. Freud Básico. Civilização Brasileira: São Paulo , 2003

QUINODOZ, Jean-Michel. LER FREUD: Guia de leitura da obra de S. Freud. Artmed: Porto Alegre, 2007.


Veja "Psicanálise e Linguagem" na sessão leitura complementar.



Primeira Tópica do Aparelho Psíquico 



Em sua obra intitulada de “A interpretação dos Sonhos” Freud (1900), tentando explicar o psiquismo humano da forma como seus estudos o estavam evidenciando, se propõe a criar a topografia de um possível Aparelho Psíquico, tópica (teoria dos lugares) que ele vem a reformular tempos depois, mas que durante muito tempo constituiu a base de suas teorias.

Em sua primeira tópica Freud admite a existência de dois pólos, um sensorial e um motor, e entre eles, percorrendo, respectivamente, do primeiro ao segundo pólo, três instâncias: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. No consciente estão presentes as informações para as quais o indivíduo volta a sua atenção em um determinado instante; no pré-consciente estão os dados os quais o indivíduo não está percebendo em um determinado momento, mas dos quais pode tornar-se consciente em outro; e no inconsciente estão presentes todas as informações sobre as quais o indivíduo teve acesso durante sua vida inteira, mesmo que elas nunca tenham sido percebidas por ele, pois nesta instância nenhuma informação é perdida, todas ficam armazenadas em seus traços mnêmicos e tampouco podem ser apagadas.

Esse modelo do aparelho psíquico também se caracteriza por seus aspectos dinâmico e econômico. O aspecto dinâmico refere-se ao movimento de informações entre as instâncias mencionadas. As informações pré-conscientes podem chegar a consciência com certa facilidade; entretanto, o material do inconsciente deve atravessar o pré-consciente para chegar à consciência. O pré-consciente também funciona como uma barreira de defesa do aparelho e só algumas informações podem atravessá-la; portanto, informações que podem causar desprazer à consciência são recalcadas, ou seja, empurradas de volta, sendo impedidas de chegar a ela.

O aspecto econômico do aparelho psíquico refere-se à sua antítese de funcionamento baseada no princípio do prazer-desprazer. Enquanto o inconsciente esforça-se por descarregar sua excitação, obtendo prazer, o pré-consciente esforça-se por tentar impedir que essa descarga aconteça, já que esta produz sensação oposta no consciente, a de desprazer.

Referência Bibliográfica:

FREUD, Sigmund (1900 – 1901) A interpretação dos Sonhos (II) e Sobre os Sonhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996;



Fases de Organização da Libido



Em “Os Três Ensaios Sobre a Sexualidade”, Freud (1905) discorre sobre sua teoria da sexualidade infantil e coloca em questão aquilo que se era pensado pela sociedade de sua época: que a pulsão sexual está ausente nas crianças e só desperta quando elas passam pela puberdade. Para ele, esse é um grande equívoco, já que as pulsões sexuais encontram-se nas crianças desde o nascimento; o que acontece é que as pessoas lembram muito pouco de sua infância e as experiências associadas ao sexual são recalcadas, em sua maioria, porque carregam a culpa de não se dar valor ao período infantil no desenvolvimento da vida sexual.

Freud diz que o desenvolvimento da sexualidade infantil começa na amamentação do bebê. A princípio, a pulsão sexual mantém estreita relação com o instinto da fome, mas logo ganha independência e a criança aprende a se “auto-erotisar”, principalmente através de zonas erógenas específicas, como lábios, ânus e genitais. Surge então um período de latência em que as pulsões sexuais da criança são sublimadas para realizações culturais. A última fase da organização da libido sexual culmina no direcionamento das pulsões sexuais de um indivíduo para o outro; neste caso, apesar dessas pulsões sexuais terem como objetivo único o prazer final (o orgasmo), elas acabam, muitas vezes, por se fundir com a função reprodutora.
 
A teoria de Freud (1905) sobre as fases de organização da libido (energia sexual) não é uma teoria desenvolvimentista,  pois suas fases se superpõem umas as outras, não havendo uma separação entre elas, nem a concepção de um estágio ser mais evoluído que outro, e a forma como essa organização ocorre está profundamente ligada a uma questão de desejo e demanda. As fases de organização da libido são: oral, anal, fálica, latência e genital. 


A fase oral começa logo nos primeiros meses de vida, quando a criança ainda é totalmente dependente da mãe, que deve interpretar suas demandas e inseri-la no campo da linguagem. Inicialmente a criança sente fome, um estímulo para ela estranho, já que até então seu corpo vivia em equilíbrio dentro do ventre da mãe, este estímulo fica cada vez mais forte, até que ela irrompe num choro, que (inicialmente) não tem a função de comunicar, pois é apenas um efeito do forte estímulo da fome agindo sobre a criança; eis, então, que a mãe corre para “socorrer” a criança e oferece-lhe alimento, geralmente o seio, e introduz na criança um outro estímulo totalmente novo e estranho para ela, mas que lhe permite vencer o estímulo inicial (fome). Logo a criança começará a perceber que seu choro serve para aproximar a mãe, e, então, começará a utilizar sua primeira forma de linguagem. O contato do seio com a boca da criança é responsável por sua primeira erotização; a criança deixa de ser apenas matéria para ser um corpo erotizado, dotado de alguma quantidade de libido; logo a criança começará a utilizar outros objetos para conseguir esse estímulo oral que lhe parece tão prazeroso, como o dedo, a chupeta, etc.; é nessa fase que a criança costuma levar tudo a boca. 
 
A partir de agora, a criança deve retirar uma parte da libido investida e investir na zona erógena seguinte; quando uma grande quantidade de energia libidinal continua investida numa determinada zona, damos o nome de fixação, o que geralmente acontece quando algum evento traumático ocorre durante a fase a qual a pessoa fica fixada. Pessoas com fixação na fase oral podem desenvolver transtornos alimentares, como a anorexia e a bulimia, comer demais, preferir sexo oral a outras modalidades, ser verbalmente agressivas, etc.
 

A fase anal começa quando se inicia uma inversão de demanda; agora quem pede é a mãe, e não a criança. A mãe, ao iniciar o treinamento de troninho da criança, pede a ela suas fezes; mas para a criança as fezes são partes do seu próprio corpo e são encaradas como presentes, que elas podem dar ou negar ao Outro. Nessa fase a criança começa a ter um maior controle sobre seus esfíncteres e esse maior controle vem junto com uma certa erotização da região, daí a segunda zona onde a libido vai ser investida ser a anal. A maneira como a criança administra suas fezes poderá ser forte característica de sua personalidade, já que é a primeira coisa que ela pode administrar. Pessoas com fixação anal têm propensão a serem ordeiras, teimosas e avarentas, podendo desenvolverem compulsões.
 

A fase fálica inicia quando a criança começa a perceber que pode obter grande prazer de seus órgãos sexuais, através da masturbação, que coincide com o período do Complexo de Édipo e do Complexo de Castração. Essa é a fase da descoberta da diferença sexual, quando as crianças percebem que há uma diferença anatômica entre o menino e a menina. Pessoas com fixação na fase fálica podem considerar a masturbação como forma mais satisfatória de sexo; homens com esse tipo de fixação podem gostar de usar seu pênis para dominar na cama, e mulheres podem desenvolver complexo de inferioridade, principalmente em relação aos homens.

Quando a criança encontra uma saída para o Complexo de Édipo, ela começa a entrar em um período de latência, onde os impulsos eróticos da fase fálica são recalcados, bem como o Complexo de Édipo. Agora, os impulsos sexuais são canalizados para atividades não sexuais, como trabalhos intelectuais e artísticos.


Com o início da puberdade, chegamos, então, a fase genital, onde os impulsos sexuais voltam a receber atenção; mas, desta vez, dentro de fantasias, não mais auto-eróticas, mas compartilhadas. É nessa fase em que as pessoas começam se interessar sexualmente por outras; a relação pênis e vagina ganha consistência.

Referência Bibliográfica:

FREUD, Sigmund (1901-1905). Um caso de Histeria, Três Ensaios Sobre a Sexualidade e outros Trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996 

FURTADO, L. Achilles. A Psicanálise e as fases da libido. UFC: Fortaleza,...

KAHN, Michael. Freud Básico. Civilização Brasileira: São Paulo , 2003



Complexos Essenciais: Édipo e Castração




Já em “A Interpretação dos Sonhos”, Freud (1900) menciona um determinado aspecto do que mais tarde ele vem a chamar de Complexo de Édipo, o amor a mãe e o ódio ao pai; exemplificando tal acontecimento com o Mito de Édipo; que, em poucas palavras, conta a história de um filho que mata seu pai e casa-se com sua mãe. Freud descobriu evidências de tal complexo ao analisar o caso do Pequeno Hans, e logo percebeu que ele também passara por tal acontecimento, assim como seus pacientes. Ao longo do desenvolvimento de sua teoria, Freud começa a explorar toda a dinâmica de estruturação do Complexo de Édipo e depara-se inevitavelmente com a descoberta de um segundo complexo, o de castração.

Os Complexos de Édipo e de Castração desempenham um papel central na teoria psicanalítica, pois é com a passagem por tais complexos que se formam as estruturas de constituição do sujeito: neurótica, perversa e psicótica; a forma como o sujeito lida com a passagem por esse momento tem profunda relação com a forma com a qual ele constituirá sua vida. Além disso, é com  passagem por tais momentos que se formam o narcisismo, o supereu e o ideal do eu. Tentemos agora explicar o que acontece em tais momentos, tentando articular os dois complexos ao longo do texto.

Quando a criança nasce, é ainda muito frágil e necessita dos cuidados de um adulto, a mãe; é ela que vai inserir a criança no campo da linguagem e que vai oferecer-lhe os primeiros estímulos eróticos, como, por exemplo, o seio. Num primeiro momento há uma relação que envolve três pessoas: a criança, a mãe e o falo. A mãe fálica é o grande objeto de desejo da criança; mas é como um fantasma, existe apenas na imaginação dela, pois é uma mãe onipresente, que nunca falta.  A mãe real necessita de outras coisas, não pode estar sempre presente e acaba por deixar o bebê insatisfeito em alguma ocasião.

Neste primeiro momento, a criança representa o falo para a mãe, um objeto substituto para compensar-lhe a falta do pênis; a vontade de ter um filho configura-se como uma das saídas do Complexo de Édipo da própria mãe. Então, como a criança seria um objeto que deveria completá-la, a mãe dedica grande atenção a criança, e configura-se como uma “mãe fálica”, estando sempre presente para atender as necessidades de seu filho.

Com o passar do tempo, a mãe começa a se desligar um pouco da criança, pois deseja muitas outras coisas, como o trabalho, o marido, os amigos, a arte, etc. Tudo aquilo que vem a separar a criança da mãe, configurar-se-ia como o pai, ou, como prefere Lacan, o Nome-do-pai (já que este não necessariamente é uma pessoa). Dessa trama em que a criança deseja a mãe fálica e na qual o pai é aquilo que a separa de seu objeto de desejo é que vem a clássica frase do complexo de édipo: amor a mãe e ódio ao pai.

Não é possível prosseguirmos agora sem mencionar o Complexo de Castração; este complexo gira em torno de um determinado objeto, o falo. O valor de tal objeto está no simples fato de remeter aquele que demarca a diferença entre os sexos, o pênis. Inicialmente, as crianças acreditam na universalidade do pênis, mas um dia descobrem que há uma diferença entre o menino e a menina; o órgão genital do menino é maior que o da menina, e o desta, por ser tão pequeno em relação ao outro, acaba representando uma falta, a falta de um tantinho a mais, a falta do pênis. Por ser um atributo que instaura a diferença, e ser instrumento de prazer, o pênis acaba se configurando como o falo, um objeto mítico, desejado por todos. A dinâmica do Complexo de Castração dependerá fundamentalmente desta descoberta, e seu desenrolar será essencial para proporcionar saídas para o Complexo de Édipo. A maneira como estes dois complexos se articulam difere no menino e na menina; o Complexo de Édipo no menino encontra uma saída a partir da castração, enquanto o da menina apenas inicia-se com esta.

Articulação dos complexos no menino

O objeto de desejo do menino é a mãe; ele deseja ser para ela o falo, um objeto que a completaria, para que ela seja, então, uma mãe onipresente, já que não desejaria outras coisas. Esta relação inicial com a mãe vai constituir sua primeira forma de narcisismo, onde a criança julgaria-se perfeita, suficiente para completar a mãe. Entretanto, a mãe deseja, sim, outras coisas, ela possui outro objeto de desejo, o pai. O menino, então, começa a rivalizar com este pai, e a disputar com ele um lugar no afeto da mãe. O falo, então, deixa de ser a criança, e desloca-se para o pai, que é aquele a qual a criança pressupõe que tenha o amor da mãe.

Eis que um dia o menino se depara com a diferença entre os sexos e descobre que existem pessoas que não possuem pênis, inclusive sua mãe. Neste momento, o pai, como aquele que instaura a lei, interrompe a relação mãe-filho, desempenhando um papel regulamentador, que é reforçado pela mãe, e pela família. A lei imposta pelo pai diz que o filho tem que escolher entre seu pênis e a mãe,  então, em sua angústia de castração, ele abdica do amor da mãe, para preservar-se, já que o ser humano tem uma tendência egoísta, em que a auto-preservação é mais forte que o desejo sexual. O pai, então, acaba por impor a escolha, e, por ser objeto de amor da mãe, aparecendo agora, não como falo, mas como detentor deste, vai constituir-se como objeto de identificação da criança, ajudando a constituir seu Ideal do Eu. Abdicar da mãe e identificar-se com o pai seria uma saída normal para o Complexo de Édipo, segundo Freud. Ainda vale salientar que é através da internalização da proibição do incesto imposta pelo pai e do Ideal do Eu que vai se constituir o supereu, instância psíquica formulada por Freud em sua segunda tópica.

Articulação dos complexos na menina

Inicialmente a menina deseja a mãe, mas passa por dois momentos que a deixam ressentida com esta: primeiramente, quando é deixada na insatisfação com perda do seio materno, ressentimento que fica recalcado e volta com força em um segundo momento, quando a menina percebe que é castrada, que não possui pênis e, pior ainda, que sua mãe também não o possui. A mãe, então, começa a ser odiada pela menina, pois não lhe dotou com pênis. O objeto de desejo, então, desloca-se da mãe para o pai; pois é este quem detêm o falo e poderá satisfazê-la.

É com a descoberta da castração que se inicia o Complexo de Édipo na menina, pois é quando ela abandona a mãe como objeto amado e começa a desejar o pai; amor ao pai e ódio a mãe. Com o tempo, a atenção da menina, que antes estava no clitóris (pequeno pênis), volta-se para a vagina, que apresenta-se como continente do pênis e, posteriormente, a vontade de ter um pênis é substituída pela vontade de ter um filho; eis o que para Freud seria uma saída normal para a menina. Na verdade, a menina nunca sai do Complexo de Édipo, pois não sente angústia de castração, já que  já é castrada; o que acontece é que essa angústia de castração aparece sob a forma de angústia da perda do amor, e é em nome desse amor que ela desloca seu desejo do pai para outros homens. Como a mãe é o objeto de desejo do pai, ela passa a tornar-se referencial identificatório para a menina, ajudando na constituição de seu Ideal do Eu

Referências Bibliográficas:

CABAS, A. Godino. Curso e discurso na obra de Jaques Lacan. Centauro: São Paulo, 2005;

FREUD, Sigmund (1900 – 1901) A interpretação dos Sonhos (I). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996; 

KAHN, Michael. Freud Básico. Civilização Brasileira: São Paulo , 2003;

NASIO, Juan-David. O prazer de ler Freud. Jorge Zarar: Rio de Janeiro, 1999;

_______, Juan-David. Os 7 conceitos cruciais da psicanálise. Joge Zarar: Rio de Janeiro, 1996.



As Pulsões e os "Artigos sobre Metapsicologia" de Freud



Em seus “Artigos Sobre Metapsicologia” Freud (1915) faz algumas considerações preliminares sobre as pulsões. Em seu artigo “O Inconsciente”, a respeito do aspecto econômico do aparelho psíquico, Freud (1915) comenta sobre o funcionamento das pulsões[1] existentes no inconsciente. Todos os representantes psíquicos existem no inconsciente em forma de pulsões que tentam ininterruptamente atravessar a barreira que dá acesso à consciência; entretanto, nenhuma pulsão pode atravessá-la, apenas seu representante psíquico, seja em forma de idéia, ou mesmo de afeto. Ao chegar ao pré-consciente, a idéia ou afeto ganha uma carga pré-consciente, já que a energia do inconsciente fica desativada nesta instância. Quando o pré-consciente entende que essa representação psíquica poderá causar desprazer na consciência, ele a recalca, retirando dela sua energia pré-consciente e transformando-a em uma anticatexia[2], que fará um movimento contrário ao da pulsão, pressionando essa representação a voltar ao inconsciente.

Todas as pulsões carregam consigo uma quantidade de excitação. Quando a carga de excitação do inconsciente fica muito alta, isso gera desprazer, daí o motivo das pulsões procurarem o tempo todo serem descarregadas, causando uma diminuição da excitação do inconsciente e consequentemente uma sensação de prazer. Portanto, a finalidade primeira das pulsões não é buscar o prazer, mas evitar o desprazer, o que não dissocia uma coisa da outra. Entretanto, a descarga que proporciona prazer ao inconsciente acaba por proporcionar desprazer na consciência; daí dizermos que o aparelho psíquico funciona sob o princípio do prazer-desprazer. E é por isso que o pré-consciente esforça-se para dirigir por caminhos mais convenientes os impulsos vindos do inconsciente.

Em “Pulsão e Destinos da Pulsão” Freud (1915) faz, primeiramente, uma distinção entre pulsão e estímulo, no qual a pulsão difere-se do estímulo por ter origem endógena, ou seja, por originar-se dentro do próprio organismo a partir de um estímulo sensorial, e por atuar como uma força que imprime impacto constante, já que sua essência é exercer pressão. Para Freud, embora a fonte de energia dessas pulsões seja somática, seu estudo está fora do campo psicológico e não será objeto de sua investigação.

Segundo Freud (1915), a pulsão tem como finalidade a satisfação e como objeto aquilo que é utilizado para alcançá-la, não precisando que este objeto esteja necessariamente ligado a determinada pulsão. Desta forma, um mesmo objeto pode ser utilizado para satisfazer várias pulsões; assim como também pode acontecer de uma pulsão fixar-se em um único objeto específico. Ainda neste mesmo artigo, Freud classifica as pulsões em dois grupos: as pulsões do eu (autopreservação) e as pulsões sexuais. Como seus estudos recaem mais sobre o segundo grupo, Freud cita as seguintes características: possuem várias fontes, são independentes entre si, têm como finalidade alcançar prazer através de um órgão específico do corpo, não possuem necessariamente um objeto fixo e geralmente este é indicado pelas pulsões do eu.

Somente a partir da elaboração de seu conceito sobre narcisismo é que Freud vai considerar que todas as pulsões são sexuais, já que, mesmo as pulsões que ele denominava de pulsões do eu, tratavam-se, também, de pulsões sexuais, pois o narcisismo consiste não apenas na retirada da libido do objeto, mas também em voltá-la para o próprio eu.

Sobre os destinos da pulsão, Freud (1915) cita os seguintes caminhos: recalque, reversão ao seu oposto, retorno em direção ao próprio eu e sublimação. O recalque caracteriza-se por uma tentativa do pré-consciente de impedir que algumas representações psíquicas das pulsões cheguem à consciência, evitando o desprazer. Entretanto, nenhum desprazer é inibido por completo, já que a pulsão precisa penetrar no pré-consciente na forma de idéia ou afeto para que ele detecte a ameaça e procure retirar dela sua energia pré-consciente. Vale salientar que as pulsões recalcadas continuam exercendo pressão no sentido de ter sua energia descarregada; pode acontecer do recalcado retornar sob outras formas, como nos sonhos, sintomas, chistes e atos falhos.

A reversão ao seu oposto refere-se a uma mudança no objeto da pulsão, mais precisamente a substituição do outro pelo eu, como nos casos do masoquismo e do exibicionismo; entretanto, a finalidade desta pulsão permanece inalterada. O que acontece no masoquismo é um direcionamento de impulsos sádicos para o próprio eu, assim como no exibicionismo há esse mesmo direcionamento quanto aos impulsos escopofílicos. Essa forma do indivíduo de lidar com seus impulsos tem dependência de sua organização narcísica.

O retorno em direção ao próprio eu refere-se ao narcisismo, e se caracteriza pela oposição ego – mundo externo. Neste caso, assim como na reversão ao seu oposto, o sujeito, por identificação, é substituído por outro eu, estranho. As pulsões que deveriam direcionar-se a um objeto exterior são direcionadas para o próprio eu. Para o indivíduo narcísico só o seu eu pode lhe dar prazer, o mundo externo caracteriza-se como desprazeroso e pode lhe ser indiferente.

A sublimação consiste em investir excitações fortes, provindas de fontes sexuais, em atividades desligadas do campo do sexual, como em atividades culturais – a pintura, por exemplo. Este destino da pulsão é um dos mais difíceis de ocorrer, pois o inconsciente procura sempre a via da descarga direta de energia, só depois de impedida sua primeira tentativa é que, com um esforço por parte do indivíduo, essas energias podem ser sublimadas.

Referência Bibliográfica:

FREUD, Sigmund (1914-1916). A História do Movimento Psicanalítico, Artigos Sobre Metapsicologia e outros Trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996;


[1]              Em algumas traduções, como naquela que é feita do inglês para o português, o termo trieb é traduzido inadequadamente como instinto e não como pulsão.
[2]              O termo catexia é empregado no sentido de investimento; logo, uma anticatexia seria um “contra-investimento”.

 O Narcisismo


Em 1914, Freud escreve “Sobre o Narcisismo: Uma Introdução”, em parte em resposta a Jung, que já começava a questionar o caráter sexual da pulsão, e põe fim a dualidade: pulsões sexuais e pulsões do Eu. Ao escrever sobre sua teoria do narcisismo, Freud coloca as pulsões do Eu (ou de auto-conservação) entre as pulsões sexuais. O objeto sexual da pulsão do Eu seria o próprio eu, eis a grande sacada freudiana, que abala toda a teoria do Eu até o momento concebida e incomoda muitos estudiosos da área.

O Eu agora é tomado como objeto, imagem, vestígio de identificações passadas. O nome narcisismo alude ao mito de narciso, um homem que viu sua própria imagem num lago e se apaixonou por ela; e que, sem conseguir ser correspondido, definhou de amor. Foi o que ocorreu a Freud para explicar o aparente desinteresse sexual dos esquizofrênicos. Mas sua teoria do Eu não parou por aí.

Freud fala que todos os seres humanos passaram por um determinado tipo de narcisismo na infância, o narcisismo primário, onde, inicialmente, temos apenas dois objetos sexuais, nós mesmos e nossa mãe. Antes mesmo de nascermos, já existe “um mundo de expectativas” sobre como seremos. Nascemos imersos nos sonhos e fantasias de nossos pais; para eles, somos sempre o bebê mais bonito, mais forte, mais inteligente; é o renascimento do próprio narcisismo deles. E é por isso que o filho tem a sensação de ser o falo da mãe, de poder completá-la, ser seu único objeto de amor.

Eis que um dia a criança descobre que não corresponde a toda a perfeição a qual lhe foi atribuída, e que não é o falo da mãe; então, na tentativa de reconstituir seu narcisismo infantil, constitui o que Freud chama de Ideal do Eu, que a acompanhará para o resto da vida e poderá incorporar, por identificação, características dos objetos de amor que perderá. É o que acontece quando dizemos, no Complexo de Édipo, que o menino abrirá mão da mãe e se identificará com o pai; na verdade, ele se identificará com os dois, com a mãe que perdeu, e com o pai, que tem as características amadas pela mãe, acrescentando essas características a seu Ideal do Eu.

Freud, então, formula sua teoria sobre o amor; com um breve sumário sobre os caminhos que podem levar a escolha de um objeto, podendo ser ela do tipo narcisista ou anaclítico (de ligação). Uma pessoa pode amar:

1.      No caminho narcisista:
a)      O que ela própria é (ela mesma);
b)      O que ela própria foi;
c)      O que ela própria gostaria de ser;
d)     Alguém que foi uma vez parte dela mesma.

2.      No caminho anaclítico:
a)      A mulher que o alimenta;
b)      O homem que a protege;
c)      A sucessão de substitutos que tomam esses lugares.

Sobre a auto-estima, Freud nos diz que está estreitamente ligada a libido narcísica; onde a finalidade e a satisfação de uma escolha narcísica está em ser amado. Nas relações amorosas, o fato de não ser amado reduziria os sentimentos de auto-estima, enquanto que o de ser amado os aumentaria.

“Um indivíduo que ama, priva-se, por assim dizer, de uma parte de seu narcisismo, que só pode ser substituída pelo amor de outra pessoa por ele.” (Freud, 1914, p.105)

Com a “descoberta” do narcisismo, a teoria de Freud sobre a sexualidade se fortalece, e inúmeras portas se abrem para o desenvolvimento de uma psicologia do amor, para o entendimento de muitos quadros psicóticos, e para o desenvolvimento de sua segunda tópica sobre o aparelho psíquico.

Referências Bibliográficas:

FREUD, Sigmund (1914 – 1916) A História sobre o Movimento Psicanalítico, Artigos sobre a Metapsicologia e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996;

MANONNI, O. Freud: Uma Biografia Ilustrada. Jorge Zahar: Rio de Janeiro: 1994.

A Pulsão de Morte



Em “Além do Princípio do Prazer”, Freud (1920) introduz o conceito de pulsão de morte, tentando explicar uma tendência a repetir fatos desagradáveis, encontrada em muitos casos que analisou; além de fornecer explicações para casos como o masoquismo, as negativas, as autocensuras e a universalidade do sentimento de culpa.


Freud cita o caso de uma criança que gostava de atirar seus brinquedos para longe, para depois procurá-los e encontrá-los, repetindo essa brincadeira todos os dias, por várias vezes:


“O que ele fazia era segurar o carretel pelo cordão e com muita perícia arremessá-lo por sobre a borda de sua caminha encortinada, de maneira que aquele desaparecia por entre as cortinas, ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo ‘o-o-ó’. Puxava então o carretel para fora da cama novamente, por meio de um cordão, e saudava o seu reaparecimento com um alegre ‘da’ (‘ali’). Essa, então, era a brincadeira predileta: desaparecimento e retorno.” (Freud, 1920, p.26)


Freud interpreta que a criança estava tentando simbolizar a saída da mãe, a qual deixara partir para o trabalho sem protestar (renúncia instintual), e encenar sua volta, o alegre retorno. Uma outra forma de interpretação vislumbrada por ele, era que atirar os objetos para longe poderia ser uma forma de satisfazer seu impulso de vingar-se da mãe, por ela ter ido embora e o deixado.


O fato da criança insistir em repetir o fato desagradável do desaparecimento da mãe, assim como muitos de seus pacientes repetiam muitos fracassos, como a cometer sempre os mesmos erros, fez Freud pensar na existência de um segundo tipo de pulsão, a pulsão de morte.  É como se a compulsão a repetir fosse o resultado do recalque imposto pelo pré-consciente ao que é desagradável, fosse o resto; afinal, o que é desagradável para o consciente é muito prazeroso para o inconsciente.


O que vem a tona é uma pulsão que se sobrepõe ao princípio do prazer, e luta contra princípio de realidade. Ora, se o princípio do prazer visa a manter o aparelho psíquico em um certo equilíbrio, a pulsão de morte agiria com o objetivo de alcançar a descarga total das pulsões, a volta ao inorgânico, ao abandono as perturbações externas, o que só é possível com a morte.


Freud instaura, então, uma nova dualidade pulsional, as pulsões de vida (Eros, ou pulsões sexuais) e as pulsões de morte (Thanatos). Enquanto as pulsões de vida esforçar-se-iam por unir e atar, as pulsões de morte esforçar-se-iam para separar, destruir.

“Certo grupo de instintos se precipita como que para atingir o objetivo final da vida tão rapidamente quanto possível, mas, quando determinada etapa no avanço foi alcançada, o outro grupo atira-se para trás, até um certo ponto, a fim de efetuar nova saída e prolongar assim a jornada.” (Freud, 1920, p. 51)

A introdução da pulsão de morte tornou quase indispensável que fosse formulada uma segunda tópica sobre o aparelho psíquico. Freud precisava agora organizar como se articulava os novos conceitos inseridos, desde o narcisismo a pulsão de morte, e conseguir explicar os mistérios do tão acentuado sentimento de culpa de muitos de seus pacientes.


Referências Bibliográficas:



FREUD, Sigmund (1920 – 1922) Além do Princípio do Prazer, Psicologia de Grupo e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996;



MANONNI, O. Freud: Uma Biografia Ilustrada. Jorge Zahar: Rio de Janeiro: 1994.
  
Segunda Tópica do Aparelho Psíquico


Com as descobertas sobre o narcisismo e a pulsão de morte, Freud sentiu a necessidade de elaborar uma segunda tópica (teoria dos lugares) sobre o aparelho psíquico. Agora ele superpõe as instâncias Eu, Supereu e Isso às antigas, inconsciente, pré-consciente, consciente, não invalidando o que havia dito antes, mas aperfeiçoando sua descrição.
                                           
Sem dúvida, passar da primeira a segunda tópica, requer uma complexidade de pensamento, sobretudo para que não se cometa equívocos ao tentar relacionar as antigas instâncias às novas, pois elas não ocupam uma mesma posição. O inconsciente se dissolve entre o Isso e Eu, fornecendo, ainda, energia para o Supereu. O trabalho do pré-consciente fica a cargo do Eu, que também possui uma parte consciente e abriga a percepção. O Ideal do Eu, inaugurado com a descoberta do narcisismo, agora servirá ao Supereu, que será a instância responsável pelo sentimento de culpa.
 

Digamos que o Isso (traduzido no inglês como Id) é o grande reservatório das pulsões, regido pelo princípio do prazer e pela pulsão de morte; é a fonte de onde emanam os desejos (resultantes do movimento pulsional). O Isso é todo inconsciente, nele não há juízo de valor, negação, nem temporalidade.

Sobre o Isso assenta-se o Eu, que vai se diferenciando dele por influência do sistema perceptivo, chegando a possuir, além de uma parte inconsciente, também, uma parte consciente. O Eu é responsável pela motilidade motora, pelo escoamento das excitações, pelo recalque e pela censura onírica. É um bonequinho que vive tentando servir a três senhores, o mundo externo, o Isso e as exigências do Supereu. Tenta subjulgar o princípio do prazer ao princípio de realidade (permitindo apenas o que é possível se fazer no mundo externo sem gerar mal estar a consciência, representando, muitas vezes, a renuncia a satisfação imediata dos desejos provindos do Isso). Representa razão e ponderação. Ajuda a pulsão de morte a controlar a libido (energia sexual).

O Supereu é o grande ditador. Faz parte do Eu, mas sua energia vem do Isso. O Supereu é a instância responsável pela auto-observação, pela consciência moral. Abrange o Ideal do Eu, que guarda consigo os caracteres das pessoas introjetadas. Está impregnado de traços culturais, embora seja advogado do mundo interno e do Isso. Paradoxal: exige a perfeição e ao mesmo tempo mostra sua impossibilidade.

Com as novas instâncias, Freud começa a teorizar explicações para quadros como a neurose obsessiva e a melancolia. A neurose seria o resultado do conflito entre um Eu coeso e um recalcado. O sentimento de culpa passa a ser explicado pela tensão entre o Eu e o Ideal do Eu. A melancolia é explicada por uma agressividade do Supereu se volta contra o Eu. A neurose obsessiva passa a ser tratado como uma agressividade que se volta contra o próprio objeto e exige medidas defensivas (formações reativas).

Freud ainda explica o motivo das identificações com os objetos perdidos; diz que é um artifício do Eu para se impor como objeto de amor ao Isso. E assim, com a segunda tópica, Freud fornece sua última contribuição ao estudo do funcionamento psíquico. Ele começa agora a utilizar seus conhecimentos psicanalíticos para falar sobre a cultura, passando pela etnografia, a religião e as formas de procurar a felicidade, pregadas como receita de bolo pela civilização.

Referência Bibliográfica:

FREUD, Sigmund (1923 – 1925) O Eu e o Ed e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago: Rio de Janeiro, 1996;

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